28/09/2015

o amor (é um lugar) estranho

O que aqui vou escrever talvez venha a parecer um manifesto de uma miúda mal amada, para não utilizar outra definição bem recorrente do calão português, mas não é. Também não é autobiográfico, não. É só um manifesto de alguém que ainda acredita no Amor. E vocês vão pensar: “Pronto, lá vem ela com as suas teorias!”, tudo bem, não são obrigados a ler, o Facebook está cheio de conteúdos, uns mais interessantes que outros, este será só mais um. Tenho uma pergunta a fazer-vos, às pessoas da minha idade, da minha geração e se calhar devo fazê-la a todas as gerações também: O que é isto que estão a fazer com o amor? A sério, o que é que se passa? Parem! Parem para pensar um bocadinho no ridículo e na tristeza que é o que chamamos de amor nos dias de hoje. O que é isto de não nos entregarmos? De não sentirmos? Que merda é esta de mentirmos a alguém e a nós próprios? De não sabermos o que é entrega, de termos medo de viver, de preferirmos jogar com os outros em vez de voar com as nossas borboletas e oferece-las a alguém que as saiba agarrar? Porque é que ninguém as quer agarrar? Que merda é esta de atirarmos pedras para magoar quem gosta de nós em troca de nada? Que palhaçada é esta de chamarmos de amor algo que é dividido com três pessoas... ao mesmo tempo? Ou quatro? Não estou a falar de menáges, meus caros. Ou o que for? Parem! Parem de destruir o que é bonito. Acredito que no amor se pode ter dor, pode fazer-se sofrer, porque é real, deve ser pelo menos, e isso incluí tudo o que é de bom e o que é de mau. Mas hoje em dia vejo que as pessoas por e simplesmente deixaram de dar valor ao que é bom, ao que é ser amado e amar alguém. O sexo de uma noite é sobrevalorizado, porque se for mais que isso podes magoar-te, ui. E então? E se te apaixonares? Não devia ser uma coisa boa? Porque é que estamos todos sempre a tornar as coisas cinzentas? Estou sempre a assistir à minha volta a uma palhaçada constante de desrespeito, a uma superficialidade enorme nos vínculos afectivos, a relações não oficializadas. Tudo para fugir ao quê? Em contraposição à abertura social que pode ser vista como positiva, estamos a desperdiçar a possibilidade de viver algo de grande qualidade. Por medo, por parvoíce, por infantilidade, por mil motivos que me ultrapassam. Há sempre um pessimismo inerente, que destrói a possibilidade de sermos felizes. Tornámo-nos pessoas fúteis no amor, os critérios são insignificantes para estar junto da pessoa. Em troca de palavritas no Whatsaap ou “likes” no Instagram ou conhecer pessoas no Tinder para dar umas voltas....Ficam para trás as conversas, os abraços, os olhares. A sério, parem! Isso não é viver, isso não é amar, isso não é sentir, isso não é nada. Ouçam-se mais, conversem mais, sintam mais, vivam mais, sejam algo. Mas sejam mesmo, na vida real, fora da bolha fictícia. Eu ainda acredito no Amor, da forma que penso que ele possa ser realizado. Dou os meus parabéns a quem consegue fugir a esta praga. A vida é muito curta, não sabemos o dia de amanhã. E como disse um grande Senhor, António Feio, pai de um grande amigo meu, “não deixem nada por fazer, nem nada por dizer (...) aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros”. 
Eu, Maria, acredito que começar por voltar a acreditar no amor e a vivê-lo, seja um grande passo. É que para mim, pelo que até agora a vida me provou, é o único veículo para ultrapassar tudo, porque mesmo quando nos tiram a liberdade... A do pensamento permanece e a do coração, também.
Passei metade da minha vida - e por metade da minha vida entenda-se que me refiro aos meus 23 anos, mas como não me lembro de tudo o que fiz desde que nasci, vou ter que me cingir à adolescência - a acreditar que o mundo era bom, que as pessoas eram boas, e que a minha felicidade dependia da felicidade de todos os outros, porque provavelmente todos estariam mais felizes e aí é que eu iria encontrar e arrancar todos os meus sorrisos. Os outros e as outras coisas, as variáveis indefinidas como o tempo, se faz sol ou faz frio, o mau ou bom acordar, a noite bem ou mal dormida, ou amigo ou inimigo, saber amar ou ser mal amado, gostarem de mim ou não gostarem. O medo de não ser suficiente vinha comigo já desde o 1º ano, nas aulas em que me chamavam ao quadro e eu me sentia consumida com os olhares dos outros, como se não fosse capaz de estar ali com a mesma coragem que eles. Sempre os outros. A minha felicidade dependia da aceitação dos outros. Ver os meus avós, os meus pais, os meus irmãos e todos os meus amigos à minha volta a rir, a divertirem-se comigo, fazia os meus dias, as minhas noites, trazia-me a sensação de realização pessoal. O mal de depender, se é que lhe posso chamar dependência, de todos os outros para encontrar o nosso equilíbrio, é que quando nos deixam, a balança parte-se ao meio, perde-se o chão, perde-se tudo. O mal de depender dos outros, é vermo-nos forçados a que, por via das vicissitudes da vida, nos sintamos sempre sozinhos, porque, ninguém nos dá o que precisamos, e no fim de contas, é em nós que está tudo. O mal de depender dos outros, é que quando desaparecem todos, ficamos só nós. Isso dói. E parece que isso vai acontecendo em paralelo com o nosso crescimento, e que se calhar, é isto mesmo que é crescer: aprender a sermos só nós, por nós, para nós. Preferia ter aprendido de outras maneiras que não estas, preferia ter percebido mais cedo que de cor-de-rosa este mundo tem muito pouco. Preferia ter sido mais autónoma, mais feliz comigo própria. Agora sou, vou sendo, agora vou conseguindo. Mas só porque a vida me obrigou a isso, mas só porque a balança se partiu e eu tenho que encontrar o prato para a equilibrar sozinha. Mas só porque, se foram todos embora e resto eu.
Um beijinho especial ao meu Avô Santos, pai do meu pai que hoje foi embora. E ao meu Pai que eu amo.

25/05/2014

Maria Morango sem juízo

Como se ela mandasse nas palavras, disseram-lhe ser louca e ser juízo. Nunca o teve, não por praticar atos ilegais ou por apanhar bebedeiras ou por fugir de casa sem roupa e destino, não. A sua falta de juízo, passava especialmente, por ter sentimentos, por guardar em si só emoção, por ser um poço de alegrias e de tristezas. Uma autêntica flor de estufa, dizem eles. Mas uma flor, ao menos.
Conhecia pouca gente assim.
Dá para perceber que esta pequena "classe" de pessoas é olhada como se tivesse uma aureola de fragilidade à volta da cabeça, quando na verdade nem sequer se trata de medir forças ou ser mais forte ou mais fraco, é por e simplesmente uma forma de ser.
A Maria Morango (era assim que lhe chamavam desde o 5º ano), passeava as suas pernas com livros nas suas mãos e nos seus sonhos e por onde passava deixava uma fragrância de frescura no ar, de renovação. Uma vontade de ter esperança no mundo que rapidamente se esgotava na escuridão de quem não sente. Num gesto de rebeldia, costumava deixar em todas as pessoas uma marca para a vida, muitas vezes demasiado verdadeira para ser aceite pelos que a rodeavam. Era difícil aceitar a Maria Morango, que era doce e amarga, que trazia cor mas também escuridão. Mas ela não se importava, normalmente tentava dizer as pessoas que a vida passava por isso mesmo, por sentir, por viver. E como é que a Maria Morango podia tolerar que se vivesse sem sentir? Normalmente, ou assim pensava ser, dizia aos outros para viverem, para aproveitarem. O que as pessoas não percebiam é que para viver se tem que ser triste também. Para a Maria Morango, ser doce, implicava ser amarga de vez enquanto. Não por vingança, não por crueldade, mas porque a realidade assim implicava, e porque só assim conseguiria descriminar a felicidade da tristeza.
A maioria das pessoas procurava encontrar respostas, estudar situações, mas a Maria Morango só queria viver e ser espontânea e ser como bem lhe apetecesse. Que falta de juízo, para os outros.
Inofensiva era a Maria Morango...

21/03/2014

O tempo pergunta ao tempo...

O tempo passa mais rápido quando estamos ocupados e tapa os buracos por nos fazer sentir submergidos em tudo o que nos ocupa. Mas quando o tempo pára - metaforicamente, é claro - a tendência é olhar um bocado para os buracos, novamente. Novamente sim, porque já passámos pelos buracos vezes sem conta e porque provavelmente sabemos que nunca vamos encontrar areia para os cobrir, eles existem e o concerto é só com "o tempo". Que mania esta de deixar as culpas no tempo, para construír vidas novas e suscitar novos desafios a nós próprios. O ser humano desculpa-se sempre com o tempo, expressões do quotidiano como "Não consegui ter tempo para acabar este trabalho" ou "Com o tempo vais conseguir", ou "O tempo cura tudo", matam a nossa vida. Estamos sempre a pôr todas as expectativas no tempo em vez de agirmos em conformidade com o que nos é oferecido. Nem tudo o que nos é oferecido é bom, mas porque raio é que o tempo é chamado, sempre, para cobrir esse buraco que não tem tempo nenhum? As mudanças não acontecem com ou sem tempo, as mudanças acontecem dentro de nós próprios, começam em nós e acabam em nós e em termos temporais só as pudemos definir porque é assim que regemos a nossa vida, mas que no fim de contas, o tempo não interessa para nada... Se houver mudança, é esta que vai ser tida em conta.
Estou farta do tempo. Tempo para descansar, tempo para trabalhar, tempo para pensar... tempo, tempo, tempo. Resta-nos muito pouco tempo para ter tempo em que sejamos nós a dizer o que queremos fazer do tempo que parece estar disponível intemporalmente. Não sei se me faço entender.
Mas esta coisa de culpar o tempo, já me irrita há muito tempo. A vida depende de nós, não do tempo. O que fazemos com o tempo que temos (que nos dão), já é outra conversa.
Viver é o objectivo. Viver com ou sem tempo, é sacanagem. Depender do tempo, é morrer mais cedo. Estou farta do tempo. Quero ter tempo para viver sem ele.
... Acabou o meu tempo para dissertar sobre o tempo. Merda. Volto depois. Se tiver tempo.


13/02/2014

“Entre mim e eu própria”, eu devia ter vergonha



Pois devia, mas não tenho, nenhuma. Nunca fui desse género, envergonhar-me de mim própria. Cometo erros e assumo-os e volto a tentar de novo para ver se não faço porcaria outra vez. É que parecendo que não, o fundamental é sermos o que nós mais gostamos. Todos os dias é uma batalha, porque fugimos a nós próprios quando nos confrontamos com realidades diferentes, mas a verdade é que, devemos ser sempre quem somos quando estamos sozinhos. Sou igual a mim própria, é isso mesmo.
Tenho feito muito por gostar mais de mim. Passei a vida inteira a lamentar-me de mim própria em contraposição com a minha afirmação de que “não tenho vergonha de nada”.  A verdade é que às vezes me falta coragem…. Coragem para quê, perguntam vocês. Para ser mais eu mesma, ainda. Eu adoro-me mas também me odeio… tenho dias. Vão ser eternos.

Conquistarmo-nos a nós próprios dura uma vida inteira, mas que bom que é desafiarmos a nossa vida, todos os dias e encontrarmos a nossa felicidade. Ninguém o pode fazer por nós.

Eu não tenho vergonha de mim, e vocês? 

13/04/2013

Folhas de um caderno escondido no armário

"Se eu não falasse de ti com os meus botões era sinal de que não te tinhas tornado mais do que és, nem menos do que és. Mas, e isso pode-se confirmar através de fontes seguras, eu tenho a tendência de agarrar avalanches de ideias e deixar-me ir até me aperceber que tenho um problema maior que os outros: não sei separar a cabeça do coração. Estes, bem distintos fisicamente, também têm funcões muito diferentes. Só que comigo baralham-se como uma receita de um bolo em que os ovos e a farinha são amassados e confundidos por entre os dedos de alguém. Não me queria deixar confundir e tornar-me vulnerável aos teus dedos, mas acabei por fazê-lo, quase de olhos fechados (ou sempre, enquanto dormia enrroscada nas almofadas).Apercebi-me de que afinal não sou feita de uma fibra assim tão forte e que se calhar devia pôr de lado tudo isto e deixar o coração ter vida própria sem enviar sinais para a minha bolha racional. E que o principal problema é tu seres a leveza do meu ser e o que torna tudo isto insustentável. E enquanto não imbirrar por seres tu, vou ficar colada à pagina que não consigo virar, porque um dos geradores de vida que acima referi ainda não me permitiu."
                                                                                                                           sem título, 2010


 
"A manhã chegou aos lençóis que a rodeavam e o frio que tinha nos pés não ajudou a aperceber-se que o tinha ali, deitado, nu, livre, ao seu lado. A cabeça tinha congelado umas horas antes e por mais que tentasse reconhece-lo, o seu ego lembrava-a de que alguém a teria levado para outro lugar que não aquele e que nem sequer o braço que a rodeava e tocava nas ancas a fazia sentir-se melhor. Não era medo, não era a diferença nem o passar dos anos que tinham tornado tudo aquilo incontornável.
Manhãs seguintes já tinham sido muitas, e sim, esta noite teria sido muito mais interessante se no dia a seguir não tivessem que olhar um para o outro e lembrarem-se de tudo. Mas teria sido a indiferença que a tornara uma pessoa tão fria, tão desprendida ao ponto de se preferir a si mesma? Era demasiado egoísmo, daquele puro e duro. 
Pediu para as horas passarem e poder ir embora, sem dar justificações a ninguém. Nem a ela mesma. E pensar que queria tanto isto há uns meses atrás."
                                                                                                        "Pequeno-almoço indesejado", 2011 

21/01/2013

Desencontros

- Bora tomar café?
- Não bebo café...
- Vem ter comigo ao Lux, gostava de te ver...
- Não vou sair hoje, se for é para o Opart porque uns amigos meus vão lá tocar!
- Anda lá, tou a ver que está dificil.
- Pois...
- Porque é que és assim?
- Assim como Tiago?
- Má para mim....




(...)

30/12/2012

Retrospectiva de qualquer coisa profunda


Caíam-lhe as lágrimas enquanto escrevia, agarrada a monotonia em que se deixára cair nos últimos dias e nem o papel, nem a caneta, pareciam salvá-la da agonia interior. Sentia melancolia pelo corpo todo e punha as mãos na cabeça para tentar atenuar a dor. Não havia propriamente explicação para sentir isto, se não talvez o facto de querer falar com alguém mas sentir que na verdade, não tinha ninguém para falar. As palavras corriam-lhe no cérebro como carne dentro de um picador, prontas a serem lançadas à balda cá para fora, mas não podia dizer nada. Se dissesse, ia ser mais uma vez em que pequenas frustrações se tinham tornado em grandes dilúvios, o que aos olhos das outras pessoas, é sempre demais e inútil de explicar. Podia, hoje, considerar-se ela também inútil. Sentia que a corrosão da insegurança que carregou consigo durante anos, voltava por uma noite e a fazia ter mais uma vez vontade de desaparecer... Vontade essa que não conseguia concretizar se não com os seus próprios pés. Eram cinco da manhã e já estava de pijama, mas mesmo assim vestiu-se, pôs o casaco mais feio e mais quente do armário e com o cabelo esgrouviado e os dentes por lavar, saiu porta fora. Saiu, e deixou o papel e a caneta para trás. Mas trouxe consigo o cérebro, que até de manhã a quis acompanhar por montes e vales, na zona que rodeava a sua casa... talvez até mais longe do que estava habituada, mas não ligou a isso. Na sua cabeça tinha constantemente a palavra “amor” a trespassar o cérebro e parecia que lhe estavam a gritar nos ouvidos a lembrança do que já deixou para trás. Fazia-a tremer e chorar, sem haver propriamente motivo que lhe provocasse um choro desenfreado... mas também não eram lágrimas de crocodilo, eram verdadeiras, daqueles incontroláveis e silenciosas. O mundo devia estar todo a gozar com ela se reparassem nesta figura. Tinha passado mais um ano, é verdade. E tinha passado a correr, sem dar por isso... e reparou que encontrou alguém diferente sim, mas que só conseguiu mudar quase no fim, o que a fazia lembrar-se do quão estúpida tinha sido ao longo do ano. É que estas coisas de seguir o coração, são muito bonitas, mas só são bonitas nos livros... agora olhando para trás, mais valia ter seguido outra coisa qualquer.  Podia ter-se defendido mais vezes, cuidado de si e do que a faz ser quem é e dar mais valor a si própria, tal como agora consegue fazer. Mas esta sensação estupidificante vinha a falar mais alto nesta noite, porque a tornava perdedora, ou pelo menos era assim que se sentia... não sei se era o ego ou o seu subconsciente que a faziam pensar isso, mas também não conseguia encontrar a reposta. Ás vezes apoiar-se nela própria parecia não chegar, mesmo depois de ter aprendido as técnicas todas e o seu valor, que sabia não ser pequeno, sentia-se pequenina. Apetecia-lhe encontrar alguém no meio dos arvoredos por onde passava e conseguir que essa pessoa ficasse sentada com ela a ver a estrelas sem dizer nada, sem apontar o dedo, sem lhe pedir justificações, sem perguntar porquês... só estar ali a o lado, em silencio, a saborear o bom que isso é. Cada ano que passava, trazia-lhe uma lição: sempre no amor, nos estudos, na vida em geral. Mas essas lições acabavam por se tornar inúteis quando reparava que nada disso podia ter uso quando o seu coração não deixava. A verdade é que olhando para trás, estava tudo muito parecido, mas se aprofundasse as coisas... muita coisa tinha mudado. Aproximava-se um ano em que teria que crescer mais um bocadinho, já não era mais criança, por mais que tivesse uma criança gigante dentro dela. As pessoas à sua volta também tinham mudado, umas para melhor, outras para pior, mas tinham mudado. Uns ficaram para trás, outros acompanharam-na e outros já nem lembrava o porquê de entrarem na sua vida, porque muito rapidamente saíram. Mas os traços de alguém que permanece um ano dentro do nosso coração sem correspondência, ás vezes acabam por ser demasiado fortes para serem esquecidos. Estava com ele na cabeça,  mas com o passado dele, não com o presente. E aí é que estava presa a retrospectiva... como é que um ano depois, se sentia parva a olhar para trás e a saber todos, todos os pormenores do que tinha acontecido? É que já não o queria, não queria mesmo... mas quando pensava nele, ia notando as marcas que o tinham feito desaparecer há um ano atrás e tinha vontade de chorar. Mas se isto tudo – estas coisas das relações – são sempre o reflexo de cada um – o que cada um dá e recebe, como é que tinha ficado tão presa a nada? Nada disto tinha resposta, algo que ela sabia perfeitamente. Ainda por cima tinha-se livrado de tudo (talvez a melhor coisa que alguma vez fez), mas não podia livrar-se da cabeça. Era boa em cúpido dos outros, mas nela própria.... nunca resultava. É que dizer os outros para seguirem o coração dava resultado e normalmente o resultado era muito bom – felizes para sempre. Mas nela, “segue o coração” nunca foi um conselho muito bom, porque acabava agarrada ao coração sozinha. Na verdade nunca soubera bem o que queria, mas havia qualquer coisa que a prendia... também não sabe que coisa é essa. A cabeça estava numa confusão imensa, e apercebera-se que todos os anos tinha este tipo de sentimentos quando chegava ao final do ano. Uma melancolia nostálgica qualquer apoderava-se dela e fazia-a chorar. Todos os anos a mesma coisa. E o choro nem sempre era de tristeza, às vezes era de felicidade por concretização do que de bom lhe tinha acontecido. Que confusão esta cabeça! Começou a ficar de dia e os passarinhos começaram a chilrear e a voar de árvore em árvore. Estava uma manhã fria, mas era bom ver-se rodeada de todo aquele verde que  tanto gostava, e começou a sentir uma sensação de satisfação por conseguir ser tão forte assim e ao mesmo tempo parecer tão frágil... não era bem uma capa, mas qualquer coisa parecida que a faziam vangloriar-se agora que olhava para a natureza que tinha a sua volta. Decidiu pôr os auscultadores ao voltar para casa e começou a dançar pelo caminho, “o atalho “ que fazia há anos e anos enquanto por ali andava apé. Já estava mais contente e a respirar melhor, lembrou-se das coisas boas que tinha na sua vida e continuou a saborear a música e o cheiro da manhã. Finalmente chegou a casa, subiu para o seu quarto, tirou o casaco e dirigiu-se para a varanda, acendeu um cigarro, ficou a ouvir mais uns minutos os passarinhos e pensou que amanhã... bem, ia ser o último dia de um ano que queria deixar para trás e que ia deixar para trás, entrando numa nova etapa. Acabou o cigarro que deixou no cinzeiro em cima da mesa. Voltou para dentro, lavou os dentes e decidiu deitar-se... Amanhã era outro dia.

22/12/2012

Avô Shrek

As voltas e reviravoltas da vida, dão-se para nos endireitar ou mostrar um caminho qualquer que podemos levar como certo ou melhor para nós. Há umas semanas atrás prometi a mim mesma que ia apagar qualquer dor que pudesse surgir por ter ido embora... 

Prometi e cumpri, mas não consigo não falar sobre isso a maioria das vezes e não consigo não contar como foi maravilhoso ter alguém como o avô ao meu lado durante 21 anos. E também tenho vontade de lhe contar a si tudo o que tem acontecido e tudo o que ficou por dizer e de a seguir apertá-lo num abraço com tanta força que não o deixasse desaparecer. Tenho saudades. Daquelas em que apetece arrancar o peito para não sentir mais. quando fecho os olhos lembro-me das suas gargalhadas e tenho vontade de o ouvir vezes sem conta... também me riu muito com isso. Não sei se vou conseguir largar as recordações e na verdade não quero, não quero apagar nada. Não quero apagar as fotografias, o medalhão do meu colar, as massagens nos pés (irónico como eram as melhores massagens), o riso, as parvoíces, o apoio, o amor, o lugar na mesa, o lugar na casa, o lugar no coração. Tenho saudades. Não fico triste, é verdade. Estou ligada a si como antes, temos uma boa telepatia que ainda guardo comigo. Sabia bem ouvi-lo dizer-me que eu sou mais forte do que mostro, que eu sou mais desenrascada do que pareço e que só gosto de amor á minha volta como se fosse uma muralha que não deixa entrar ódio nem o que é feio. Percebi o que é importante, vi e senti que o mais importante é exactamente isto, termos laços, fazermos laços, amarmos e vivermos esses laços, e especialmente, aprendermos a preservá-los... ainda que se forem valiosos se preservem sozinhos sem termos que fazer muita força para os manter. Continuo a acreditar no amor, avô. No que é inviolável, ultrapassa tudo e nos torna unidos. Vou continuar a procura disso porque me ensinou a fazê-lo. Tenho saudades. Mas hoje, hoje vi-o em mim: Manter a cabeça para cima e o coração forte, é assim? Porque os bons amigos, de coração puro, são preciosos... e aqueles que passam por nós não vão sós não nos deixam sós. deixam um pouco de si, levam um pouco de nós. Saudades do meu avôzinho shrek.