30/12/2012

Retrospectiva de qualquer coisa profunda


Caíam-lhe as lágrimas enquanto escrevia, agarrada a monotonia em que se deixára cair nos últimos dias e nem o papel, nem a caneta, pareciam salvá-la da agonia interior. Sentia melancolia pelo corpo todo e punha as mãos na cabeça para tentar atenuar a dor. Não havia propriamente explicação para sentir isto, se não talvez o facto de querer falar com alguém mas sentir que na verdade, não tinha ninguém para falar. As palavras corriam-lhe no cérebro como carne dentro de um picador, prontas a serem lançadas à balda cá para fora, mas não podia dizer nada. Se dissesse, ia ser mais uma vez em que pequenas frustrações se tinham tornado em grandes dilúvios, o que aos olhos das outras pessoas, é sempre demais e inútil de explicar. Podia, hoje, considerar-se ela também inútil. Sentia que a corrosão da insegurança que carregou consigo durante anos, voltava por uma noite e a fazia ter mais uma vez vontade de desaparecer... Vontade essa que não conseguia concretizar se não com os seus próprios pés. Eram cinco da manhã e já estava de pijama, mas mesmo assim vestiu-se, pôs o casaco mais feio e mais quente do armário e com o cabelo esgrouviado e os dentes por lavar, saiu porta fora. Saiu, e deixou o papel e a caneta para trás. Mas trouxe consigo o cérebro, que até de manhã a quis acompanhar por montes e vales, na zona que rodeava a sua casa... talvez até mais longe do que estava habituada, mas não ligou a isso. Na sua cabeça tinha constantemente a palavra “amor” a trespassar o cérebro e parecia que lhe estavam a gritar nos ouvidos a lembrança do que já deixou para trás. Fazia-a tremer e chorar, sem haver propriamente motivo que lhe provocasse um choro desenfreado... mas também não eram lágrimas de crocodilo, eram verdadeiras, daqueles incontroláveis e silenciosas. O mundo devia estar todo a gozar com ela se reparassem nesta figura. Tinha passado mais um ano, é verdade. E tinha passado a correr, sem dar por isso... e reparou que encontrou alguém diferente sim, mas que só conseguiu mudar quase no fim, o que a fazia lembrar-se do quão estúpida tinha sido ao longo do ano. É que estas coisas de seguir o coração, são muito bonitas, mas só são bonitas nos livros... agora olhando para trás, mais valia ter seguido outra coisa qualquer.  Podia ter-se defendido mais vezes, cuidado de si e do que a faz ser quem é e dar mais valor a si própria, tal como agora consegue fazer. Mas esta sensação estupidificante vinha a falar mais alto nesta noite, porque a tornava perdedora, ou pelo menos era assim que se sentia... não sei se era o ego ou o seu subconsciente que a faziam pensar isso, mas também não conseguia encontrar a reposta. Ás vezes apoiar-se nela própria parecia não chegar, mesmo depois de ter aprendido as técnicas todas e o seu valor, que sabia não ser pequeno, sentia-se pequenina. Apetecia-lhe encontrar alguém no meio dos arvoredos por onde passava e conseguir que essa pessoa ficasse sentada com ela a ver a estrelas sem dizer nada, sem apontar o dedo, sem lhe pedir justificações, sem perguntar porquês... só estar ali a o lado, em silencio, a saborear o bom que isso é. Cada ano que passava, trazia-lhe uma lição: sempre no amor, nos estudos, na vida em geral. Mas essas lições acabavam por se tornar inúteis quando reparava que nada disso podia ter uso quando o seu coração não deixava. A verdade é que olhando para trás, estava tudo muito parecido, mas se aprofundasse as coisas... muita coisa tinha mudado. Aproximava-se um ano em que teria que crescer mais um bocadinho, já não era mais criança, por mais que tivesse uma criança gigante dentro dela. As pessoas à sua volta também tinham mudado, umas para melhor, outras para pior, mas tinham mudado. Uns ficaram para trás, outros acompanharam-na e outros já nem lembrava o porquê de entrarem na sua vida, porque muito rapidamente saíram. Mas os traços de alguém que permanece um ano dentro do nosso coração sem correspondência, ás vezes acabam por ser demasiado fortes para serem esquecidos. Estava com ele na cabeça,  mas com o passado dele, não com o presente. E aí é que estava presa a retrospectiva... como é que um ano depois, se sentia parva a olhar para trás e a saber todos, todos os pormenores do que tinha acontecido? É que já não o queria, não queria mesmo... mas quando pensava nele, ia notando as marcas que o tinham feito desaparecer há um ano atrás e tinha vontade de chorar. Mas se isto tudo – estas coisas das relações – são sempre o reflexo de cada um – o que cada um dá e recebe, como é que tinha ficado tão presa a nada? Nada disto tinha resposta, algo que ela sabia perfeitamente. Ainda por cima tinha-se livrado de tudo (talvez a melhor coisa que alguma vez fez), mas não podia livrar-se da cabeça. Era boa em cúpido dos outros, mas nela própria.... nunca resultava. É que dizer os outros para seguirem o coração dava resultado e normalmente o resultado era muito bom – felizes para sempre. Mas nela, “segue o coração” nunca foi um conselho muito bom, porque acabava agarrada ao coração sozinha. Na verdade nunca soubera bem o que queria, mas havia qualquer coisa que a prendia... também não sabe que coisa é essa. A cabeça estava numa confusão imensa, e apercebera-se que todos os anos tinha este tipo de sentimentos quando chegava ao final do ano. Uma melancolia nostálgica qualquer apoderava-se dela e fazia-a chorar. Todos os anos a mesma coisa. E o choro nem sempre era de tristeza, às vezes era de felicidade por concretização do que de bom lhe tinha acontecido. Que confusão esta cabeça! Começou a ficar de dia e os passarinhos começaram a chilrear e a voar de árvore em árvore. Estava uma manhã fria, mas era bom ver-se rodeada de todo aquele verde que  tanto gostava, e começou a sentir uma sensação de satisfação por conseguir ser tão forte assim e ao mesmo tempo parecer tão frágil... não era bem uma capa, mas qualquer coisa parecida que a faziam vangloriar-se agora que olhava para a natureza que tinha a sua volta. Decidiu pôr os auscultadores ao voltar para casa e começou a dançar pelo caminho, “o atalho “ que fazia há anos e anos enquanto por ali andava apé. Já estava mais contente e a respirar melhor, lembrou-se das coisas boas que tinha na sua vida e continuou a saborear a música e o cheiro da manhã. Finalmente chegou a casa, subiu para o seu quarto, tirou o casaco e dirigiu-se para a varanda, acendeu um cigarro, ficou a ouvir mais uns minutos os passarinhos e pensou que amanhã... bem, ia ser o último dia de um ano que queria deixar para trás e que ia deixar para trás, entrando numa nova etapa. Acabou o cigarro que deixou no cinzeiro em cima da mesa. Voltou para dentro, lavou os dentes e decidiu deitar-se... Amanhã era outro dia.

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