- Temos que falar, João. – disse a Madalena muito indignada.
- Então o que é que se passa miúda? – perguntou o João – O que é que me vais dizer hoje?
- Não vou dizer nada de especial, só acho que temos que falar, a sério. – insistiu a Madalena.
- Mas o que é que tu queres falar comigo? Eu não te percebo, ultimamente estás sempre estranha.
- Eu? Estranha? Não sabes o que estás a dizer. Nem sabes o que é que eu vou falar contigo e já estás a dizer que estou estranha. Como se o facto de querer falar contigo fosse muito estranho. Não gostas de falar?
- Gosto sim Madalena, mas diz-me lá que raio de coisa tens para falar comigo.
- Não, assim não vale a pena, deixamos para outro dia.
- Diz lá, vá....
- Não, esquece. Acho que perdi a vontade.
- Mas porquê? É segredo? Tas á vontade para falar ou não? – e pôs lhe a mão pelos ombros como se isso a pusesse mais á vontade.
- Não sei se estou assim tão á vontade para falar sobre isto.
- Mas porquê?
- Não sei. É um assunto complicado, não sei se é bom ir directa ao assunto, se calhar vou esperar que não sejas tu a dizer-me se faço bem ou não, mas sim o tempo.
- Não sei o que é que estás para aí a desbobinar, mas eu acho que me devias contar, até porque tas com um ar de enjoada como se tivesses isso entalado na garganta há muito tempo. Vá, desembucha mas é!- insistiu o João com o seu tom brincalhão.
- Olha Joni, alguma vês gostaste de alguém? – perguntou a Madalena.
- Oh! Era isso que me querias perguntar? Claro que já gostei. Aliás, durante muito tempo gostei de uma rapariga e não via mais ninguém á frente.
- E como é que é gostar de alguém? O que é que sentes?
- Bem, o que eu sabia é que queria estar com ela todos os dias, gostava muito de a ouvir falar, gostava que ela me abraçasse, que partilhasse os seus gostos comigo e a visão que tinha do mundo. Ela era uma óptima companhia. Eu sabia todos os risos dela, o jeito como pousava as mãos, a forma como mexia no cabelo, a maneira de andar, de escolher as posições, o facto de ter uma covinha no canto do sorriso, é muito expressiva e tinha uns olhos que diziam tudo. Quando gostas, sei lá, acho que deixas de ver outras pessoas, isto é, temos umas pálas nos olhos que só nos fazem ver á frente, com olhos de gente, essa pessoa de que dizemos gostar.
- Hum. Só gostaste de alguém assim uma vez?
- Não. Quer dizer acho que dessa maneira só gostei uma vez, mas depois há sempre aqueles mini affairs que no fundo são para ocupar o tempo, acabamos sempre por reconhecer que não nos interessam para nada.
- Conseguias dormir?
- Como? – perguntou o João.
- Sim, quando gostavas dela conseguias dormir todas as noites?
- Oh, nem sempre, mas quando estávamos chateados custava-me imenso adormecer, sentia-me vazio. Ah e enquanto não a tive nos meus braços, dormir era impossível. Pronto e agora que já não a tenho, menos durmo. Mas o tempo cura tudo. Nada que umas noitezinhas com a malta não curem!
- Nunca te perguntei, mas porque é que já não estão juntos?
- Ao que parece enganei-me, escolhi gostar muito da pessoa errada para mim. Ela nunca gostou de mim. Enganou-me. Deixou-me. Trocou-me pela independência dela. Só isso.
- E ainda gostas dela?
- Isso já é outra história. Não penso muito nisso. Não posso pensar se não lembro-me de tudo outra vez.
- E não gostas de te lembrar?
- Acho que já não.
- Achas?
- Sim.
- Hum. Então é porque ainda gostas dela, não é?
- Não sei. Olha, sabes que fingir é uma arma que convence muita gente e já me convenceu a mim também.
- Ah! – suspirou. – Ao menos finges bem. – Disse a Madalena.
- Tu nunca gostaste de ninguém? - perguntou o João.
- Hummmmmmmm... – a Madalena quase grunhiu e demorou imenso tempo a responder. – Não, nunca gostei de ninguém. – E corou. - Acho eu.
E esperou mais uns dias para lhe dizer o que sentia. Faltou-lhe a coragem.
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